As confissões de um chato Colorido

CONFISSÕES DE UM CHATO COLORIDO 

Por Fabio Correia – 18 de junho de 2025

Não nasci para multidões. Tampouco para unanimidades. Nasci, talvez, para o canto da sala — com um livro no colo, a cabeça nas nuvens e os pés... bem, os pés longe de qualquer boteco barulhento onde se bebem certezas.

Sou, para muitos, um chato. E não faço esforço para desmentir. Um chato refinado, que gosta de pensar antes de agir, sentir antes de falar e, acima de tudo, existir fora da norma. Pior ainda — ou melhor, conforme o ângulo —: sou um chato colorido. Sim, caro leitor, LGBTQIA+. Algumas letrinhas que, em certos ambientes, valem mais que dez palavrões.

Já tentei ser comum, juro. Ir ao boteco da esquina, tomar cerveja quente, rir de piadas que sempre terminam em palavrões ou em mulheres que, por não estarem presentes, viram assunto. Mas aí olho em volta e vejo aquelas bochechas infladas, vermelhas, como se o Kiko do Chaves tivesse entrado no bar e tomado o lugar de todos. Os pés? Inchados. As ideias? Também.

Penso, então: melhor tentar outro cenário. Um bar mais chique, desses na avenida Olívia Flores — a Montmartre da cidade — onde as pessoas sabem pronunciar cabernet sauvignon e sorriem com os olhos... e com o ego. Ou, quem sabe, a avenida Frei Benjamim, à noite. Chego lá e, em minutos, estou deprimido. São todos belos demais, alinhados demais, seguros demais de si. Eu, que nunca soube exatamente onde pôr as mãos, nem como sentar em bancos altos, me sinto o Chaves — de novo ele — perdido dentro do barril. Só que, desta vez, de salto baixo e alma alta.

“Vou a um evento, então”, penso. Quem sabe um forró no Arraiá da Conquista, um xote na Praça da Bandeira, um festival de inverno. Quem sabe dançar, flertar... Mas basta imaginar a cena para já querer sair dela. Meu desejo mais íntimo? Estar em casa. Pintar com tinta guache, ouvir uma sonata, descobrir um novo filósofo que fale de mim sem saber que falo dele. Cozinhar. Meu evento é ir ao supermercado atacadista, à quitanda do Primavera. Às vezes, caminhar pela avenida. Um ser idoso em um corpo jovem — ainda.

Zubiri diz que as coisas não são apenas estáticas — elas são, mas também precisam ser. Precisam de atos que as façam. Que beleza isso. Me reconheço: sou algo, sim, mas esse algo muda, se dilui, se refaz a cada encontro, a cada recusa. Lavelle, por sua vez, fala de um ser imutável, mas cuja presença se dá no devir, no ato que cria, no gesto que se arrisca. Gosto disso. Sou esse gesto. E também essa hesitação.

Ah, como sou chato.

Queria ser daqueles que vivem os atos sem pensar neles. Que beijam sem hesitar, que falam de amor sem evocar Platão. Mas não. Gosto de poesia, teatro, pintura. Gosto de música que começa num prelúdio e termina numa pergunta. Um metido, dirão. Um sensível demais. Um exagero. Talvez eu seja tudo isso. Mas sou com gosto.

E não ando dizendo por aí. Meus amigos sabem — ao menos os que ficaram. Meus irmãos fingem não notar. Meus sobrinhos acham que sou “diferente”. E eu sei. Eu sei de mim. E isso já é muito.

Minhas conversas, dizem, fazem pensar. O que é quase um insulto hoje em dia. Sócrates também fazia isso — e veja onde foi parar. Eu, felizmente, só fui parar na solidão, que é menos fatal e mais silenciosa.

Certa vez, num arroubo, disse a um amigo que os corpos — todos eles — pertencem ao Estado. Ele me olhou assustado, como se eu tivesse tirado a roupa em público. “Não fale isso pra ninguém”, ele sussurrou. “Tem gente que enlouquece só de ouvir.” E eu pensei: tem gente que enlouquece só de viver.

As pessoas normais — ah, as normais! — bebem, dançam, fazem sexo apressado e riem alto de coisas que esquecerão amanhã. Eu? Bebo um suco de caju, como um pastel na rua, e saio dali pensando na essência das coisas — como quem mastiga o universo em silêncio. Até meu luto é discreto, minhas lágrimas não fazem barulho, não grita, não descem como bombas nucleares sobre a face. Quando saio em público, sou o mesmo. Chega a ser estranho. Queria ficar com olhos profundos, deprimido, com cara de gatinho de desenho animado. Mas não consigo. Culpa dos filósofos existenciais, e de Jesus Cristo. 
Cristo fica incomodando na mente, martelando minha pedra bruta com um cinzel, dizendo: “Aquele que crer em mim, ainda que morra, viverá.” Entendo que Ele não falava de algo físico, mas interior, metafísico, um tema ALTO conhecimento. Porém, isso me fortalece — de alguma maneira me dá a paz que essa, sociedade não pode dá.

Sim, sou um chato. Um chato colorido, lírico e contraditório. Mas já me basta não fingir ser o que não sou.
Os conspiradores dizem: “É de direita, só pode ser.”
Outros: “É um religioso.”
Mas eu digo: sou apenas eu. Nada mais.

Afinal, meu caro leitor — e que me leias com ternura —, cada um é chato do seu jeito. E o meu jeito, se não agrada a todos, ao menos me deixa dormir em paz.
Ser gay não me é um problema existencial.
Só preciso ser um ser humano melhor.
Isso é o mais importante.
Pois as outras coisas... tudo passa.

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