O apagar da chama

  Apagamento da chama olímpica, Paris 2024

QUANDO A CHAMA SE APAGA

por Fábio Correia 

A encantadora animação francesa “Um Gato em Paris” servirá como uma bela metáfora para introduzir esta crônica sobre o encerramento das Olimpíadas de Paris 2024 e o apagamento da chama olímpica. Dirigida por Alain Gagnol e Jean-Loup Felicioli, a animação conta a história de um gato esperto que, de dia, vive com uma garota chamada Zoé e, à noite, percorre os telhados de Paris, numa aventura que envolve criminosos e amizades. 


Assim como o gato de “Um Gato em Paris” explora os telhados da cidade, a abertura das Olimpíadas de 2024 foi uma verdadeira saga pelo cenário parisiense. Inspirada no universo de Assassin's Creed, a cerimônia seguiu o protagonista em uma jornada por doze cenas distintas, evocando a lenda de Hércules e seus doze trabalhos heroicos.


No encerramento dos jogos, a simbologia visual continuou rica e imaginativa. Um mapa-múndi na forma de um gato apareceu ao lado de um ganso voador, símbolo do rio Sena. O diretor francês Arthur Jolly realizou um trabalho cenográfico espetacular, mesclando elementos teatrais com uma narrativa que combinava a saga do herói, os direitos humanos e figuras femininas históricas, como Olimpia de Gouges.


Jolly utilizou sua criatividade para criar um enredo ambientado em um futuro distante, onde não há mais humanos. Seres extraterrestres escavam o passado e restauram a história dos Jogos Olímpicos de Pierre de Coubertin. Em cenas góticas e sombrias, um personagem dourado, um viajante espacial, desce à Terra em ruínas para conhecer a história dos Jogos Olímpicos, tanto da Grécia Antiga quanto da era de Coubertin. Este Viajante Dourado, que se destaca naquele cenário umbralesco, representa o ser humano evoluído ou vitruviano, assim como o explorador do futuro.


A indumentária do Viajante foi inspirada no Anjo da Bastilha e nos discos de ouro da Voyager, que, segundo a Wikipédia, são discos fonográficos a bordo das naves Voyager. Eles contêm sons e imagens que representam a diversidade da vida e das culturas na Terra, dirigidos a qualquer forma de vida extraterrestre (ou seres humanos do futuro distante) que os encontrem. Este Anjo Dourado, também chamado de Apolo Dourado ou Gênio da Bastilha, carrega uma tocha acesa e se destaca sobre uma coluna que abriga uma necrópole, onde estão sepultados 700 personagens históricos da Revolução Francesa, simbolizando a liberdade.


Uma das cenas mais emocionantes do encerramento foi o momento em que a chama olímpica foi retirada da pira, em forma de balão, que se apagou e levada ao estádio. Outra cena marcante foi quando Thomas Bach, ex-campeão olímpico alemão de esgrima e atual presidente do Comitê Olímpico Internacional, declarou o encerramento das Olimpíadas de Paris 2024. Junto com outros atletas, Bach soprou a chama olímpica trazida numa lamparina. Foi um gesto simples, mas de uma profundidade simbólica e iniciática notável, evidenciada na expressão emocionada dos atletas e de Bach. Assim, encerrava-se a odisseia esportiva em Paris.


A Jornada da Chama sagrada


O sol, para nós filósofos, representa a chama da vida no cosmos, que percorre a história dos ciclos naturais de nascimento, desenvolvimento, realização, morte e ressurreição. Mas o que é ressuscitado? É a chispa divina em cada ser e astro do universo. 


Pierre de Coubertin foi um grande homem, pois restaurou algo que reflete a força de realização humana e cósmica. Olímpia é onde as forças do cosmos se encontram em torno da mônada, a pira vestal, ou o fogo de Héstia. Os deuses possuem essa potência viva celestial e são guardiães desse mistério, compartilhado com a humanidade. Para os gregos, o conceito de deus não era o mesmo dos cristãos ou judeus, mas compartilhava a ideia do espírito divino, o Fogo que gera, purifica, ilumina e destrói. Onde está o sopro, está a chama.


Existe algo em cada ser que nos une, como alianças ou arcos olímpicos. Existe um fogo fraterno que conecta todas as coisas vivas. Esse fogo, esse algo, se chama sopro de vida, oxigênio. Todos, sejam bons ou maus, ricos ou pobres, humanos ou animais, necessitam de oxigênio para sobreviver.


No entanto, existe outro elemento crucial para a sobrevivência de todo ser e sistemas cósmicos: o sol. O sol nasce para todos, iluminando a todos sem distinção. Ele é um dos três maiores símbolos de vida, experiência e fraternidade na Terra. Os outros são o oxigênio e a água.


Quando o sol nasce, tudo desperta: o trabalhador, o estudante, a dona de casa, os animais, os pássaros diurnos. Enquanto ele atravessa o firmamento, todos estão criando suas experiências na Terra, até que o pôr do sol chega e a chama do astro-rei se apaga no horizonte, escondendo-se atrás da lua.


O semblante do jovem atleta Leon Marchand, segurando a lamparina com a chama ao peito e demonstrando sua emoção ao apagá-la, foi nítido. A missão da chama olímpica pela França estava encerrada, evocando as palavras do apóstolo Paulo a Timóteo: "Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé."


Mas a mônada, o fogo sagrado, permanece, oferecendo a oportunidade de a chama ressuscitar para uma nova experiência, uma nova aventura. As Olimpíadas, em um sentido profano, são apenas um movimento esportivo internacional. Mas sua essência reside no sagrado.


*Mônadas são consideradas átomos da natureza, elementos simples que compõem todas as coisas. Nos Vedas, é chamado de Atman, o ser, o eu real, a essência, podendo também representar a totalidade da existência.*







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